sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

They don't know like I know

Band of Gypsys é um grupo constituido por: Jimi Hendrix, guitarra; Billy Cox, baixo; Buddy Miles, bateria. Quem ouvir este grupo, especificamente os álbuns "Band of Gypsys" e "Hendrix live at the Fillmore East" poderá notar que:
1 a) Hendrix não toca notas, toca energia. Isto é evidente, por exemplo, no primeiro solo de "Who Knows" (Band of Gypsys). É claro que toca notas, mas as notas são muito mais que simples frequências. Não começam nem acabam. Não são fixas, são vivas. Cada nota é um ser vivo de grande complexidade. O som fervilha de energia. Energia em cada nota, energia a ligar entre si todas as notas, o som é energia. Daí não fazer sentido, realmente, falar em notas. Não faz sentido dizer que o solo é composto de 137 notas. É como dizer que o mar é composto por 137 ondas.
1 b) Energia não quer dizer barulho ou tocar alto. É uma propriedade intrínseca à vibração e à vida. Os compositores que abarcam esta perspectiva na música geralmente falam em música espectral. Hendrix é um mestre da música espectral. O som dele tem dimensão infinita, tem infinitos graus de liberdade.
1 c) E a maneira como ele faz a guitarra cantar em uníssono com a voz, mantendo o acompanhamento (2 guitarras em 1)?
1 d) Esta é uma música assumidamente experimental (Hendrix diz ao público várias vezes que as músicas são experiências para ver o que acontece). Verdade seja dita: a voz de Hendrix não está muito bem. É algo que ele iria trabalhar mais tarde. Mas quer-se lá saber da voz...
1 e) Um espectador deve ter sido Miles Davis. Ouçam Jack Johnson, Agartha, Pangaea...tudo sob o signo Hendrix. Exemplo :"We Gotta Live Together"(Live at the Fillmore East). Parece o Miles Davis em 71/74.
2 - Buddy Miles é um baterista para bateristas (presumo, não sou baterista). Quem não perceber o que se passa, ouve-o e diz: "Parece um metrónomo, é sempre igual, é quadrado". Quem tiver uma vaga ideia do que se está a passar, não diz nada, ouve. Quando muito, escreve: Buddy Miles é iniciático. Quem souber ouvir cai para o lado de espanto. É a mesma coisa: cada batida que ele dá está viva...é um baterista absolutamente não linear e imprevisível. Ouça-se a bateria em "Power of Soul" (Hendrix live at the Fillmore East). O que eu quero dizer é: ouça-se a bateria em "Power of Soul". Ouça-se, por exemplo, como ele usa os pratos. Ouça-se o ocasional break que ele faz, em particular o segundo break, quando os outros param de tocar...esse break é uma das razões porque a vida é bela! É uma impossibilidade possível! E a voz dele? Como ele canta enquanto toca (Who Knows)!
3 - A propósito da parte de Who Knows em que o Buddy Miles canta, ouça-se, nessa mesma parte, o baixo do Billy Cox. Hendrix está silencioso nesta secção. Ouça-se esta secção rítmica, e perceba-se porque é que o maior guitarrista rock de todos os tempos a escolheu.
4 -Machine Gun é o grito contra a guerra do Vietname, contra a opressão, é a morte desesperada do idealismo dos anos 60. A versão do album Band of Gypsys contém aquele que provavelmente é o maior solo de guitarra eléctrica alguma vez realizado.
Em resumo: Band of Gypsys é o maior trio de rock de todos os tempos. Se pudesse viajar no tempo, só uma vez, para ver um concerto qualquer, ia sentar-me na primeira fila do Fillmore nos dias 31 de Dezembro de 1969 e 1 de janeiro de 1970 para ver e ouvir os 4 concertos deste grupo. Mesmo em frente ao Jimi.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Curso 10

No outro dia passaram por cima de Heinzkarlo dois F-16, aqueles aviões do exército que de vez em quando se estatelam no chão e cujo preço unitário é superior ao do túnel do marquês. Foram comprados aos EUA em conjunto com um carregamento de pastilhas elásticas Gloxy e uma selecção de ténis Nike para o chefe de estado maior das forças armadas. Estes aviões foram mandados na forma de um kit com instruções tipo "faça você mesmo". Naturalmente, alguns sucumbem à lei da gravidade. As instruções são extensas e depois do intervalo para o almoço o pessoal pode confundir alguns chips.
O som produzido por estes aparelhos ao passar é lindíssimo. Não vale a pena gravá-lo, é um som espacializado, uma vez que os aviões passam muito depressa. É um som cósmico, extenso, profundo, belo. Faz lembrar a obra Hymnen de Stockhausen. Heinzkarlo sacudiu uma molécula de Karma do ombro esquerdo só por causa deste som. É o último som que muita gente por este mundo ouve, antes de lhe cair uma bomba encima.
A beleza deste som vem de mão dada com a sua exorbitância...é um som raro e caríssimo! Estes aviões são a prova de que a arte é valorizada em Portugal...Hip! Hip! Hu hu hu

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Cosmic Jilala


De acordo com o Samkhya, um dos seis darshana, ou pontos de vista, do pensamento Hindu, o universo manifestado é o culminar de uma gigantesca sucessão de manifestações. Cada objecto de um universo contém na sua essência um outro objecto que se manifesta nele. Por exemplo, uma cadeira de madeira contém a árvore que lhe deu origem, árvore essa que contém na sua essência a semente que deu origem à árvore, etc. Quando se fala em objectos, não tem necessáriamente que ser objectos físicos, podem ser pensamentos, imagens, sons, emoções, sensações tácteis, cheiros, sabores...
Andando para trás nesta sucessão de manifestações, chegamos a um princípio comum a todos os objectos, princípio esse imortal e uno.
Muitas acções físicas são manifestações de algum pensamento. Neste sentido, muitos pensamentos são mais reais do que muitos actos, já que se encontram mais próximos do princípio imortal e uno. A imaginação de uma cadeira é mais real que essa cadeira, porque está antes da mesma.
Neste sentido, quando Heinzkarlo fala da Confraria Inominável, descreve objectos bem reais. Esta confraria é composta por músicos extraterrestres, extra-via-lácteos, mesmo, que se deslocam por este universo a tocar em diferentes planetas. Possuem uma panóplia imensa de instrumentos, organologia cósmica, por assim dizer, que lhes permite tocar em diferentes atmosferas. O zunir, por exemplo, é uma trompa que não produz qualquer som neste planeta, mas belos sons em exóticas atmosferas (por exemplo Betelgeuse 2). Outros instrumentos da Confraria Inominável têm nome, mas a estrutura vocal humana não permite a sua pronunciação.
Estes músicos induzem transes diversos nas diferentes raças que encontram, incluindo: transes de possessão, transes transcendentais, transes intergalácticos, distorções no espaço-tempo, projecções, mortes e ressureições, etc.
Os Confrades Inomináveis vivem no espaço-tempo sem os constrangimentos dos humanos, que só se deslocam livremente no espaço, e não no tempo. Isto tem a ver com a estrutura do cérebro humano, e a maneira como este apreende o espaço-tempo. A expressão espaço-tempo é muito aristotélica: na realidade, não é possível dissociar a consciência do espaço-tempo. Ora, a consciência dos Músicos Cósmicos permite-lhes deslocarem-se no tempo. Assim, passado e futuro, para eles, são como esquerda ou direita, fora ou dentro, para nós. Nisto eles são como os Trafalmadorianos, descritos e estudados por Kurt Vonnegut na obra-prima Slaughterhouse 5.
Eles interessam-se por nós porque nós somos os grandes explicadores, temos noções estranhas como a de livre arbítrio...eles não sabem o que é isso. Deslocam-se calmamente ao passado e o futuro, sabem tudo o que aconteceu e tudo o que vai acontecer...sabem como este universo acaba: o fim deste universo acontece quando os Trafalmadorianos experimentam um novo combustível. Um piloto de teste carrega num botão e este universo acaba (ver Slaughterhouse 5).
Quando vem tocar à Terra, a Confraria Inominável procura induzir nos humanos um transe de desbloqueio temporal, algo que nos faça viajar no tempo. Mas sabem que conhecer o futuro, para um humano, pode ser traumático. Assim, escolhem uma selecta audiência de gente iluminada. Siddhartha Gautama ouviu a sua bela música nas margens do Ganga. Alguns profetas não aguentaram os sons libertadores...basta ler o Apocalise. O homem passou-se! De facto, a estrutura do cérebro humano, nomeadamente a noção do eu, dificultam a integração de realidades futuras como a morte, ou sabermos que no futuro vamos ser carecas, ou racistas, ou do Benfica, ou alguma outra particularização cósmica.